Os tan tans dos tambores ecoavam dentro da noite, e as trevas, infundindo medo, me estremecer. Incapaz de conciliar o sono, fiquei acordada e olhei. E eis que a visão de uma grande verdade se me afigurou da maneira como passo a descrever.
Achavame de pé num terreno onde a relva era abundante, e, bem à minha frente, se abria um abismo no espaço infinito. Embora olhasse bem para dentro, não vi um limite - o abismo não tinha fundo. Percebi então formas semelhantes a nuvens espiraladas que se moviam furiosamente, grandes covas cheias de escuridão e precipícios imensuráveis. aturdida, recuei.
Vi então multidões que caminhavam para a beira do precipício
Então vi que havia grandes multidões de homens, mulheres e crianças ao longo da grande campina relvosa. Mas todos iam na direção da beira do abismo. Entre eles havia uma mulher com uma criança segurando sua saia. Ela estava exatamente na borda do precipício. Tendo visto, percebi que era cega. De repente ao erguer o pe para dar outro passo, foi no ar que ela pisou... e rolou para dentro do abismo com a criança. Oh, o grito que deram, quando rolaram!
Vi então multidões que surgiam de todas as partes. Eram todos cegos, inteiramente cegos, e caminhavam para a beira do precipício. E quando se viam a rolar para o inexorável precipício, soltavam gemidos lancinantes e erguiam desesperadamente os braços, tentando se agarrar no próprio espaço vazio. Alguns, porém, rolavam mudos e silenciosos.
Agora, uma coisa me espantou e me fez sentir agonia: Ninguém havia entre eles para os deter nessa marcha para o abismo. Eu não podia. Algo me impedia os movimentos, e eu me sentia como que grudada no chão. Embora tentasse clamar e gritar, apenas um murmúrio inaudível saía da minha boca.
Mas, ao longo da grande cratera, percebi que havia, aqui acolá, alguns guardas. Mas as distancias que os separavam eram demasiadamente grandes, e entre eles jaziam grandes intervalos sem qualquer guarda. E exatamente nessas regiões sem guardas, é que o povo cego se precipitava. Ali, o verde da campina parecia mudar na cor vermelha do sangue e o abismo medonho se mostrava como a própria boca do inferno.
Agora, contudo, vi um quadro diferente - um quadro a surgir paz: um grupo de pessoas debaixo de árvores sombrias. Estavam sentadas de costas para o abismo, fazendo grinaldas de rosas. Quando, às vezes, o estrépito de um grito aterrador quebrava o silêncio e as alcançava,se sentiam perturbadas, mas logo se acalmavam com o pensamente de que se tratava de algo sem importância. E se alguém entre eles se levantasse com o desejo de socorrer, os demais se erguiam no caminho para dizer: "Não se preocupe, acalme os nervos. Você deve ter antes uma experiência bem clara da chamada. Você ainda não terminou suas grinaldas de rosas, e seria egoísmo você nos deixar sozinhos fazenfo o trabalho".
Havia outro grupo, ainda. Seus componentes tinham grande desejo de enviar guardas, mas eram poucos os que queriam ir, e por isso, não podiam encher deles aqueles grandes espaçõs sem guardas, na beira do grande precipício.
Ninguém havia entre eles para os deter em marcha para o abismo
Certa vez, uma moça decidiu impedir que o povo caisse no abismo, mas sua mãe e parentes a fizeram lembrar que suas férias haviam chegado, e ela não deveria quebrar os "regulamentos". E como estivesse cansada, decidiu voltar para descansar um pouco; mas ninguém foi achado para preencher sua vaga. Eu via, então, que o povo se precipitava em massa no abismo, numa verdadeira cachoeira de almas. Enquanto rolavam, vi que uma criança se agarrara a um tufo de capim que crescia à beira do abismo. Segurando firme o topete, clamava desesperadamente por socorro, mas ninguém ouvia. Então as raízes do capim cederam e, com um grito, a criança, tendo bem firme nas mãozinhas o feixe de capim, desapareceu no abismo.
E a moça, que anelava por voltar ao seu posto de guarda, revelou ter ouvido o clamor da criança, e estava decidida a ir socorrer. Mas os parentes se lhe opuseram, dizendo não haver necessidade de alguém ir la, pois haveriam de cuidar daquela região. E cantaram um hino.
Enquanto cantavam, um som se misturava com o hino: Era a voz uníssona de milhões de corações quebrantados e aflitos. O horror de uma grande escuridão veio sobre mim: conheci o que significa o clamor do sangue.
Então, uma voz trovejou: "...a voz do Senhor, que dizia: A quem enviarei, e quem ha de ir por nós? Disse eu: Eis me aqui, envia me a mim. Então disse ele: Vai, e dize a este povo..."
"Quando eu disser ao perverso: Certamente morrerás; e tu não o avisares, e nada disseres para o advertir do seu mau caminho, para lhe salvar a vida, esse perverso morerá na sua iniquidade mas o seu sangue da tua mão o requererei" (Isaías 6.8,9a e Ezequiel 3.18)
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